
A comunicação da igreja precisa transformar não só mentes, mas também corações.
No cenário contemporâneo, a igreja se encontra diante de um desafio urgente: comunicar uma mensagem que não apenas informe, mas que crie raízes profundas, se transforme em ação e, acima de tudo, ressoe como um sentimento vivo no coração das pessoas. Estamos falando sobre o que Raymond Williams definiu como “estrutura de sentimento” – uma base cultural enraizada e vivida, que molda a forma como enxergamos e experimentamos o mundo. Para a igreja, esse conceito é essencial, pois o objetivo não é apenas levar a palavra de Cristo, mas também enraizá-la de forma que ela se torne parte do que somos e fazemos diariamente.
A Cultura e a Comunicação da Igreja
Cultura é muito mais do que os costumes e práticas externas de um povo; ela é o conjunto de significados que compartilhamos e vivemos. Williams descreve a cultura como aquilo que se enraíza em uma comunidade, se manifesta em práticas e se vivencia em uma dimensão profunda. No contexto da igreja, esses significados não são impostos, mas sim cultivados – como se cultivam plantas em um jardim. A palavra “cultura” deriva de “cultivo”, e é exatamente isso que a igreja deve fazer: cultivar significados e valores.
A comunicação não pode ser vista apenas como o ato de falar, pregar ou postar algo nas redes sociais. Ela é um processo de comunhão. A koinonia, palavra grega que aparece no Novo Testamento para indicar comunhão, também implica em “comunicação”. Para que uma mensagem seja efetivamente vivida e incorporada como parte de uma estrutura de sentimento, ela precisa ser comunicada de maneira que faça sentido dentro do contexto cultural. Cada vez que pregamos, não estamos apenas transmitindo informações; estamos criando cultura, estamos moldando a visão de mundo daqueles que ouvem.
Ressignificação Cultural e Estruturas de Sentimento
Um dos principais pontos discutidos nas aulas do curso “a cultura da comunicação” é sobre hipermodernidade e comunicação, enfatizando os desafios de uma cultura que é ressignificada de modo constante. A cultura não é estática; ela se transforma e se adapta ao longo do tempo, e é nesse contexto que as estruturas de sentimento são formadas. Elas não são aprendidas formalmente; ao contrário, são vividas e, por isso, se tornam parte do que somos de forma quase inconsciente.
Dentro das igrejas, por exemplo, isso pode ser observado na forma como os valores familiares têm sido reafirmados como resposta ao cenário cultural em que vivemos. Em um mundo onde a ideia de família é questionada e desconstruída, a igreja se posiciona promovendo a valorização da família. Esse movimento não é uma simples resposta reativa, mas sim uma tentativa de reafirmar uma estrutura de sentimento, criando um espaço seguro e significativo para aqueles que se sentem deslocados pelas mudanças culturais.
A prática do Evangelho, portanto, não pode ser separada da mensagem. Um cristão não deve ser apenas um ouvinte, mas sim alguém que vive ativamente os princípios que acredita. A estrutura de sentimento do Evangelho se fortalece quando a fé se traduz em prática diária – no cuidado ao próximo, na ética, na vida em comunidade. Esses são os valores que se enraízam e formam a estrutura que sustenta nossa identidade como igreja.
Comunicação Intencional e a Cultura da Comunhão
Para que a mensagem do Evangelho seja incorporada na vida das pessoas como uma estrutura de sentimento, a igreja precisa ser intencional na sua comunicação. Williams afirma que o processo de comunicação é, de fato, um processo de comunhão – e a igreja precisa entender que sem comunhão não há transformação verdadeira. Em Atos 2:42, vemos a igreja primitiva se reunindo, partilhando, vivendo em comunhão e experimentando sinais e prodígios. Não se tratava apenas de palavras faladas, mas de práticas que tangibilizavam a mensagem de Cristo em cada aspecto da vida em comunidade.
Assim como nos tempos bíblicos, precisamos garantir que nossas mensagens alcancem as pessoas de forma que faça sentido para elas. Uma publicação nas redes sociais ou um sermão dominical não podem ser meras informações; devem ser convites para uma experiência vivida e compartilhada. A comunicação da igreja deve sempre ter como objetivo não apenas informar, mas criar uma experiência de significado, uma estrutura de sentimento que se enraíza e se torna parte da vida daqueles que a recebem.
A cultura digital atual apresenta muitos desafios, mas também oferece oportunidades únicas. A igreja precisa se apropriar dessas oportunidades para reforçar os valores que são fundamentais para sua missão. Não se trata de ceder à lógica de mercado, mas de usar os meios disponíveis para reforçar o que é essencial: a verdade do Evangelho e a construção de uma comunidade de fé que vive e partilha esses valores.
Transformando Corações e Comunidades
A comunicação da igreja precisa transformar corações, não apenas mentes. Cada sermão, cada reunião, cada post nas redes sociais deve ser intencional, com o propósito de cultivar uma estrutura de sentimento que leve os indivíduos a experimentar uma vida centrada em Cristo. Não estamos apenas transmitindo palavras; estamos plantando sementes que, quando bem cuidadas, transformam-se em árvores fortes, com raízes profundas.
Vivemos em tempos em que o digital e o físico se misturam, e no qual a superficialidade muitas vezes toma o lugar da profundidade. Cabe à igreja ser a voz que chama para a profundidade, que convida a uma experiência transformadora e que proporciona às pessoas os “óculos” do Evangelho para verem a vida de uma nova maneira.
A comunicação da igreja, portanto, deve ser mais do que uma ferramenta; deve ser um canal para criar comunhão, para formar estruturas de sentimento que moldem a vida dos crentes de forma significativa e duradoura. Que sejamos intencionais na maneira como comunicamos, para que a mensagem de Cristo não seja apenas ouvida, mas vivida em cada aspecto da vida daqueles que a recebem.
Takeaways marloncamargo_
- Cultura é Cultivo: A comunicação da igreja deve cultivar significados e valores que se enraízem na vida das pessoas, transformando mentes e corações.
- Comunicação é Comunhão: A verdadeira comunicação cria comunhão, e a comunhão gera transformação. Sem comunhão, não há impacto duradouro.
- Valores Vividos, Não Apenas Ouvintes: A estrutura de sentimento se fortalece quando a fé se traduz em prática, e não apenas em palavras.
- Reafirmação em Tempos de Mudança: A ressignificação cultural é uma constante. A igreja deve reafirmar seus valores em meio às transformações da sociedade.
- Intencionalidade é a Chave: Cada mensagem deve ser pensada para cultivar uma experiência significativa, não apenas transmitir uma informação.